O Brasil é um país cheio de peculiaridades, e isso se reflete em seu comportamento no comércio exterior. Há vários segmentos em que o comportamento do país acaba funcionando como uma demonstração de como funciona o mercado como um todo. Um desses exemplos é o cacau.
Matéria-prima do chocolate, o cacau depende de condições climáticas muito específicas. Os registros mais antigos do fruto são de regiões como México, América Central e Bacia Amazônica, e os astecas chegaram a usá-lo como moeda.
A internacionalização do cacau começou depois que Cristóvão Colombo chegou à América, e em pouco tempo o fruto ganhou espaço de destaque na mesa dos europeus.
Os europeus espalharam sementes de cacau por todo o planeta e deram origem a grandes plantações. No Brasil, por exemplo, o fruto chegou em 1679 e foi originalmente cultivado no Pará, onde a produção era de pouco mais de 100 arrobas. Contudo, as safras só tiveram desenvolvimento mais expressivo no século seguinte, quando encontraram no sul da Bahia o contexto ideal.
Essa expansão comandada pelos europeus levou o cacau ao continente africano a partir do século 19. As primeiras plantações registradas por lá datam de 1855.
Menos de 200 anos depois, os africanos controlam mais de 80% do mercado global de cacau. E a participação do Brasil, que já chegou a bater nos 16%, hoje está entre 3% e 6%.
O que faz o exemplo do cacau ser tão relevante
A produção de cacau no Brasil, portanto, foi definitivamente influenciada por vontades internacionais – no caso, dos europeus – e por sua agenda de negócios. Esses interesses foram inicialmente colocados à frente de condições naturais, o que justifica a insistência inicial com o Pará, mas o verdadeiro desenvolvimento do mercado aconteceu quando houve expansão em nível interno.
Por sua extensão territorial e por concentrar diferentes climas e solos, o Brasil mostrou-se durante a história um país de estratégias e soluções regionalizadas. O cacau funcionou tão bem na Bahia que transformou o local em um polo de produção no país.
A produção começou com um impulso externo, portanto, e se desenvolveu quando foi adequada à realidade local. Aí entra outro elemento exemplar do cacau: as características do cultivo limitaram o desenvolvimento tecnológico do setor e reduziram ao longo dos anos o potencial competitivo do país no mercado internacional.
O Brasil não decidiu plantar cacau, mas acabou descobrindo uma região propícia para o desenvolvimento do fruto. E quando o prosseguimento da história voltou a depender de ação coordenada do país, o mercado não avançou a ponto de ser superado com folga pelos africanos.
Também contribui para isso a potência do mercado interno. O Brasil é o quinto maior consumidor de chocolate no mundo, e as dificuldades logísticas facilitaram durante décadas o surgimento de empresas dedicadas a abastecer apenas esse nicho local.
Cacau é tema de debate online no Brasil
Outro ponto que chama atenção sobre o mercado do cacau é que o Brasil ainda limita sua exportação às commodities, que têm menor valor agregado, enquanto países africanos – Costa do Marfim e Gana, principalmente – já avançaram sobre o cacau fino e já conseguem processar para comercializar massa e manteiga. “Quase metade da produção mundial é trabalhada nos países de origem”, explicou Lucas Rasi, consultor em cadeias produtivas e data science, durante o workshop setorial do Projeto Agro.BR, realizado pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) em parceria com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção à Exportação).
O debate online, aliás, foi extremamente prolífico para traçar um panorama sobre o mercado do cacau e esse ciclo tão representativo para toda a cadeia produtiva do país. Também houve discussões sobre como vencer a lógica de “demanda externa chega, características locais fazem o mercado interno ganhar corpo, falta de investimento em tecnologia e em subprodutos permite avanço de outras regiões do planeta”.
“No caso do cacau, temos um ponto favorável: a oferta, por causa das condições climáticas, é extremamente limitada”, completou Rasi.
“Para alcançar o mercado internacional é preciso qualificar o nosso produtor e aumentar a oferta de cacau fino de alto padrão de qualidade, adequado às classificações internacionais”, completou Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau.
Como está a balança comercial do Brasil
Vale lembrar que o agronegócio, sobretudo por causa da desvalorização da moeda local, tem garantido ao Brasil um superávit recorde. Desde o início deste ano, o volume de material exportado pelo país tem sido constantemente maior do que os produtos que entram.
O recorde foi registrado em setembro, quando o Brasil registrou superávit de US$ 6,164 bilhões na balança comercial. O país vendeu US$ 18,459 bilhões para o exterior no mês (9,1% a menos do que no mesmo período de 2019), mas as importações caíram ainda mais: 25,5%, chegando a US$ 12,296 bilhões.
Um exemplo é a exportação de milho, que avançou 2,6% apenas em setembro. O volume embarcado do cereal chegou a 314,7 mil toneladas em setembro deste ano.
O momento é tão regular para a balança comercial que o governo federal ajustou a previsão de superávit para 2020. A nova estimativa é que o Brasil feche o ano com saldo positivo de US$ 55 bilhões, US$ 6,9 bilhões a mais do que em 2019.
Direção,
Marcus Vinicius Tatagiba.
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