A adoção de medidas necessárias de distanciamento social mudou a rotina da maior parte das empresas do Brasil nos últimos meses. No entanto, há um efeito que tem sido pouco debatido e que também tem peso enorme para o andamento do mundo corporativo no país: a pandemia do novo coronavírus forçou um nível de digitalização que ainda estava distante para muitos segmentos e acelerou processos que eram marcados por grande carga burocrática.
Desde fevereiro, quando os primeiros casos de Covid₋19 foram registrados no Brasil, mais de 83 mil pessoas morreram por causa da doença. Além disso, empresas fecharam as portas e o volume de exportação foi afetado drasticamente. O país vendeu menos de US$ 1 bilhão para o exterior em abril, recorde negativo para o período, e ainda está em processo de retomada (US$ 1,2 bilhão comercializado em maio, com alta de 22%).
O que mudou com a digitalização
A principal diferença sentida por quem trabalha com exportação e importação é que os últimos meses serviram para mitigar a necessidade de presença física em todas as etapas de preenchimento de documentação.
Sem a possibilidade dessa interação real em muitas cidades, estados ou países, a solução foi aceitar trocas digitais de documentos, o que deu celeridade a muitos processos.
Qual o tamanho da burocracia que a digitalização resolve
Um estudo realizado em 2018 pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostrou o tamanho do problema causado pela burocracia no comércio exterior. O levantamento apontou que exportações brasileiras são sujeitas a 46 procedimentos diferentes, administrados por 12 órgãos. Nas importações, são 72 ritos de 16 entidades governamentais.
O impacto da burocracia nos números é claro. Ainda de acordo com o estudo, 23% das vendas para o exterior são afetadas pelo excesso de processos, e esse número chega a 59% na importação.
O regramento é tão extenso que os autores da pesquisa admitiram não terem conseguido calcular o impacto real da burocracia sobre a balança comercial do Brasil. Em pelo menos nove casos, o estudo não chegou sequer ao valor relacionado a um procedimento.
A pesquisa ouviu 114 empresas e relatou casos como de uma companhia não identificada, que opera no segmento de alimentos. A diretoria decidiu importar um equipamento e fez todo o processo, mas descobriu quando o material já estava em um porto brasileiro que faltava uma autorização prévia da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear). Resultado: a máquina ficou retida.
Exportadores já faziam pressão por digitalização
A digitalização era um pleito antigo de empresas que exportam. Estudo realizado em 2014 pela mesma CNI apontou que 88,7% das companhias brasileiras que vendem no exterior estão insatisfeitas com o processo burocrático.
Quando é dividido por segmento, o levantamento é ainda mais significativo. Em áreas como informática e couros, todas as empresas consultadas admitiram insatisfação com o excesso de burocracia para exportar e apontaram que isso prejudicava os negócios.
“No Brasil, a razão social do exportador precisa ser indicada 17 vezes em 17 documentos; o endereço, 16 vezes; a Nomenclatura Comum do Mercosul, dez vezes”, enumerou Carlos Abijaodi, presidente da CNI na época, na divulgação do estudo.
Ainda é cedo para dizer efeito
Um dos principais exemplos de aprimoramento durante a pandemia uma revisão no Siscomex (Sistema de Comércio Exterior), que centraliza documentação de movimentações internacionais. Agora, o aparato dispõe de uma área para envio de documentos que anteriormente eram necessariamente apresentados fisicamente.
A nova funcionalidade abarca, por exemplo, a DI (Declaração de Importação). Antes da pandemia, empresas precisavam se deslocar até a unidade fazendária para obter homologação de um fiscal, processo que agora é online.
Se é claro o quanto a burocracia atravanca negócios de exportação e importação no Brasil, ainda não existe uma clareza de quanto a digitalização de vários processos pode agilizar os negócios.
A única coisa certa é que a digitalização pode ter sido um processo antecipado e acelerado, mas também é um caminho sem volta. Com o sucesso de iniciativas voltadas a acabar com a necessidade de presença física, a tendência é que mais etapas sigam esse caminho nos próximos anos. Lidar com comércio exterior, portanto, também vai demandar de profissionais um conhecimento e uma afeição com o ambiente digital.
Direção,
Marcus Vinicius Tatagiba.
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